
Uma mudança significativa nas regras de herança está em discussão no Congresso Nacional. Um projeto de alteração do Código Civil propõe a retirada do cônjuge da lista de herdeiros necessários, o que pode alterar a forma como os bens de uma pessoa falecida são divididos. A proposta vem gerando um intenso debate entre especialistas, principalmente sobre a possível desproteção do companheiro sobrevivente.
Atualmente, a legislação brasileira determina que 50% do patrimônio de uma pessoa, a chamada "parte legítima", deve ser obrigatoriamente destinada aos seus herdeiros necessários. Nessa categoria estão, em primeiro lugar, os descendentes (filhos, netos) em concorrência com o cônjuge.
Na ausência destes, a herança vai para os ascendentes (pais, avós), também em concorrência com o marido ou a esposa. Os outros 50% dos bens podem ser dispostos livremente por meio de um testamento, permitindo que o titular da herança beneficie qualquer pessoa ou instituição. Caso não haja um testamento, 100% do patrimônio é dividido entre os herdeiros necessários.
A experiência da instrumentadora cirúrgica Regina Garcia, que perdeu o marido recentemente, ilustra como a lei funciona na prática. Parte dos bens foi dividida conforme o testamento deixado por ele.
O restante seguiu a regra legal, sendo partilhado entre ela e os dois filhos. No caso dela, houve um acordo familiar. "Eles concordaram numa boa para eu viver do jeito que eu quisesse viver. Então é isso, foi tudo muito bem preparado, bem conversado, bem orientado", relata.
A proposta e as críticas
O ponto central do projeto é excluir o cônjuge da partilha obrigatória, independentemente do regime de casamento adotado. Essa alteração é vista com preocupação por alguns juristas, pois reverte a lógica de proteção ao companheiro que foi consolidada no Código Civil de 2002.
O advogado Alexandre Gonçalves Kassama explica que a legislação anterior, de 1916, não considerava o cônjuge como herdeiro necessário.
"No Código Civil de 1916, o cônjuge, quando se pensava ali na sucessão, era visto basicamente como uma mulher que não trabalhava, que não estava inserida no mercado de trabalho e, muitas vezes, por não ser herdeira necessária, acabava ficando numa situação difícil", contextualiza. A mudança em 2002 visou corrigir essa vulnerabilidade.
Para o advogado Marcos Serra Netto Fioravanti, sócio do Vieira Rezende, a proposta em discussão é uma atualização da lei. Ele destaca que o novo texto prevê mecanismos de amparo, como o pagamento de uma renda ao cônjuge sobrevivente, para evitar que fique desassistido financeiramente.
A proposta ainda precisa passar por uma análise aprofundada nas comissões responsáveis antes de ser levada para votação no plenário do Senado Federal.