A localização estratégica e a infraestrutura do Ceará transformaram o estado em um ativo disputado pelo crime organizado. Com um litoral de 573 quilômetros e proximidade geográfica com a Europa e os Estados Unidos, a região atrai grupos criminosos interessados no escoamento de drogas.
Segundo o Coronel Kilderlan Nascimento, diretor de planejamento da Polícia Militar, essa "geografia aberta", que inclui portos, aeroportos e rodovias, é o principal atrativo para o avanço das facções no Nordeste.
A disputa territorial elevou os índices de criminalidade de forma alarmante. No último ano, o Ceará registrou 37 assassinatos para cada 100 mil habitantes, consolidando-se como o terceiro estado mais violento do país, atrás apenas de Amapá e Bahia. Em destinos turísticos internacionais, como Jericoacoara, o tráfico se impõe com abordagens diretas a visitantes brasileiros e estrangeiros para a venda de entorpecentes.
Vítimas inocentes e o erro dos executores
A guerra entre grupos rivais, como o Comando Vermelho, tem vitimado cidadãos sem qualquer envolvimento com o crime. Em Jericoacoara, o jovem Henrique Marques de Jesus, um turista de 16 anos vindo de São Paulo, foi assassinado após ser confundido com um integrante de uma facção rival. Caso semelhante ocorreu em Itapipoca, no norte do estado, envolvendo o casal Bruno Motta e Nara Késya de Sousa.
Imagens de segurança registraram o momento em que os jovens abasteciam uma motocicleta antes de serem perseguidos e baleados por criminosos. Nara morreu no local, enquanto Bruno sobreviveu com três tiros, mantendo ainda duas balas alojadas no corpo. De acordo com o delegado Marcos Aurélio França, o autor do crime confessou ter acreditado que se tratava de um desafeto. Ao perceber o erro após exigir que o jovem retirasse o capacete, o atirador fugiu.
Interferência política e o controle pelo medo
O poder das facções estende-se para além da segurança pública, atingindo as instituições democráticas. Em Santa Quitéria, o prefeito reeleito José Braga Barrozo (PSB), conhecido como Braguinha, foi preso e teve o mandato cassado por ligações com o Comando Vermelho. Investigações apontam que o político realizou pagamentos milionários à organização criminosa para assegurar sua vitória eleitoral.
O esquema envolvia a compra de votos e o uso de ameaças para impedir campanhas de adversários, utilizando o medo para controlar o eleitorado local. O delegado Marcos Aurélio França confirma que houve interferência direta da organização no processo eleitoral da cidade.
Para especialistas, o combate a esse cenário exige uma estratégia de duas frentes. A curto prazo, defende-se o reforço do policiamento ostensivo. Já a médio e longo prazo, sociólogos apontam a necessidade de desarticular a rede que conecta criminosos a agentes do Estado e atores econômicos, atingindo o alto escalão que sustenta a estrutura do crime organizado.